sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Aprisionados na superfície

A máxima "uma imagem vale por mil palavras" deveria ter se restringido à semiótica, mas foi levada muito a sério e acabou definindo uma nova era onde não mais nos aprofundamos, ao contrário, emergimos. A estética de hoje se resume à casca: a capa do livro define o conteúdo; heróis são forjados à maquiagem; beleza = {botox, photoshop, abdmomen tanquinho}; carros e grifes famosas definem o que chamamos de elite e alta sociedade; engravatados são confundidos com seres superiores e pessoas na televisão com deuses; progresso é inventado e materializado em outdoors; alegria é empacotada em kits de micaretas; novelas são modelos de civilizacão; e finalmente felicidade se resume a união de tudo isso.

Não me entendam errado, não quero aqui posar de superior e dizer algo pomposo do tipo: Infeliz daquele que é "feliz", pois não tem nada. Para isso teria que me excluir da nossa "sociedade de plástico", mas também vivo com um pé na "superficie". É dificil se desvincular quando o meio te puxa para cima. Mas me vigio para nunca esquecer que removendo a casca, somos todos iguais num ponto: pequenos e perdidos diante da grandeza da existência.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O Brasil é redondo

Antes do modelo geocêntrico de Ptolomeu, acreditava-se que a terra era plana. Uma perspectiva notoriamente errada do planeta, que inclusive impedia a exploração de rotas mais ousadas no oceano. Quando a idéia da terra esférica foi comprovada e passou a ser aceita, notou-se rapidamente quão ridícula era a idéia da terra plana.

Amanhã eu começo o último capítulo da minha aventura em terras germânicas. Depois eu escrevo sobre esse capítulo, mas nesse post eu queria falar sobre as entrelinhas que separam esse capítulo dos capítulos anteriores. Assim como Ptolomeu, a minha perspectiva é diferente.

Depois de dois longos anos, finalmente estava prestes a ir para casa novamente. A princípio havia planejado ir somente em Dezembro, mas acabei mudando os planos por conta de um concurso. Os argumentos eram matadores, ou seja, trata-se exatamente da minha área, e eu estaria de volta à minha terra natal junto à minha família e amigos. Isso fez então com que eu que adiantasse minha viagem para Outubro.

Sempre sou questionado e instigado a não voltar para o Brasil, por razões óbvias, isto é, a distância astronômica entre o Brasil e Alemanha em termos de qualidade de vida, educação, civilidade e muitos outros. Mas tenho um contrato com o CNPq que me "motiva" fortemente a voltar, muito embora eu sempre tenha alimentado um desejo genuíno de voltar. Além do mais, na minha perspectiva, eu não poderia deixar o Brasil sem antes por em prática o mínimo de mudança que conservei e amadureci durante os anos. O interessante é que a maioria das pessoas que me ouvem falar isso, principalmente as mais velhas, me desmotivam dizendo que isso é dar murro em ponta de faca, mas eu não vou me render. Pois nas palavras sábias do Pit Passarel na música Prelude to Oblivion do bom e velho Viper:

"...because the world won't take example
from somebody who won't fight
for better days and hide away...
...I ask all the world, to follow the song"

Na sala de embarque em Frankfurt, e eu lá perdido em meus pensamentos tendo como pano de fundo descontraídas conversas de outros brasileiros que assim como eu esperavam a chamada para o embarque, um dos funcionários da companhia áerea perguntou se alguém falava português, pois aparentemente alguém tinha um problema e não conseguia se comunicar. Como ninguém se manifestou, eu me ofereci como intérprete. Para resumir, uma garota estava com excesso de bagagem de mão, e portanto teria que pagar 180 euros (aprox. 459 reais na cotação de hoje). Perguntei a ela quanto ela tinha e ela disse apenas 3 euros, para ligar para tia que mora na Alemanha em caso de qualquer problema, apesar de que já estaria muito tarde para tal. Eu disse ao funcionário que ela não tinha dinheiro, ao qual ele desdenhou dizendo que todos dizem a mesma coisa. O excesso se devia basicamente a presentes que a tia da garota estava enviando a familiares. O mais interessante é que outras pessoas com mais de uma bagagem de mão, eventualmente até mais pesadas, passaram sem problem. Não quero aqui julgar o funcionário, pois não sei como funciona o sistema deles de controle, talvez por amostragem, mas a garota era de cor. Sei que tentei de todas as formas ajudar para que uma excessão fosse aberta. Depois de muita conversa, ele abaixou para 40 euros. Ela não tinha dinheiro, e apesar de não conhecê-la, acabei emprestando, pois a garota não tinha ninguém mais a quem recorrer. Isso me rendeu um lamentável comentário do funcionário, dizendo que por causa disso eu poderia eventualmente conseguir favores sexuais da garota. Eu coloquei ele no lugar dele na mesma hora de forma que ele se empertigou envergonhado. Mas não pude deixar de notar que isso na verdade se trata de um retrato de como o Brasil é vendido, ou seja, carnaval, mulatas e sexo fácil. Bom, felizmente a garota era uma pessoa muito decente e a família dela me retornou o dinheiro assim que desembarcamos Salvador. Na minha perspectiva, as pessoas são de bem até que se prove o contrário (com exceção dos políticos).

Dormiria na casa de dois grandes amigos que estão morando em Salvador. Logo no caminho da casa deles, se vê o pior problema do Brasil, ou seja, o abismo social entre ricos e pobres. Na minha perspeciva a diferença social deveria ser equilibrada. Apesar de cansado, saímos para comer a típica lambreta de Salvador. Entre algumas cervejas, relembramos figuras caricatas da nossa adolescência no Marista Maranhense, como o "velho" bombomzeiro que vendia os irritantes "culhões de bode" :) Isso nos rendeu crises espasmódicas de risada. Estava feliz em estar em casa.

Finalmente chego em São Luís. Felicidade em reencontrar meus pais a parte, a primeira coisa que eu notei foi a qualidade (ou falta dela) das ruas. As ruas de São Luís estão absolutamente indecentes, repletas de buracos, bueiros, e ondulações. Outras impressões imediatas foram o trânsito caótico e construção massiva e desordenada de prédios altos e modernos, contrastando fortemente com a ridícula falta de infra-estrutura urbana. Na minha perspectiva, o crescimento urbano tem que andar lado a lado com a infra-estrutura e qualidade dos serviços urbanos, isto é, bom pavimento, transporte público, segurança, limpeza e etc.

Nos próximos dias eu me tranquei em casa para estudar para o concurso. Depois dessa fase, foi a hora de respirar São Luís mais uma vez. Estando fora por tanto tempo, acabei romantizando o Brasil. Na minha cabeça as coisas deveriam estar muito, muito melhores, mesmo tendo doses diárias da realidade trazidas pelos noticiários. Os primeiros dias são sempre difíceis, não vou negar. A sujeira das ruas e praias, a falta de respeito com o ser humano, a arrogância e indiferença da nossa elite burra e ignorante, a explosão da violência urbana e despreparo da polícia, a podridão política descrita no livro honoráveis bandidos, e etc., pois a lista é longa e distinta. Eu não estava preparado para isto, pois as coisas parecem priores do que quando deixei Sao Luis. Felizmente, e contrastando fortemente a isto, estão a brisa e o mar, a minha família e os meus amigos; pessoas de bem, com as quais tive os momentos mais divertidos em dois longos anos. Além é claro de outras pessoas especiais que conheci na minha curta estadia. Pela segunda vez estava feliz em estar em casa.

Já mais relaxado do choque de realidade, ouço um juiz conhecido me dizer: "Rapaz, não volta, aqui só é bom para passear". Aí eu digo: "Não posso, existem compromissos". Ele rebate: "Deixa a união te cobrar". Fala sério!! Ele não sabe o quanto eu me revolto quando ouço isso, ainda mais de uma pessoa que deveria dar bons exemplos! Na minha perspectiva, a "elite" deveria ser espelho de educação, cultura e idoneidade.

A minha perspectiva está errada, o Brasil não é "plano". Mas diferentemente da geometria imutável da terra, ainda acredito que a "geometria" do nosso meio é moldável segundo as nossas próprias perspectivas.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A faísca virou fogo

É aquela estória, "pimenta nos olhos dos outros é refresco"; a pimenta agora caiu nos meus, e para ser bem sincero, a sensação não é das mais agradáveis (por motivos óbvios). Para o bem ou para o mal, parece que o vento levou a faísca da Paraíba lá pro Maranhão.

Não me entendam errado, o que eu escrevi sobre a cassação do Cássio Cunha Lima também vale para o caso do Jackson Lago. Obviamente condicionado se o processo for conduzido com retidão e se as denúncias forem devidamente provadas.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Onde os dinossauros ainda vagueiam

Recebi um email recentemente do meu grande amigo e grande economista Sr. Fozzie com um artigo da revista "The Economist" em anexo, que merece ser divulgado. Abaixo, uma visão de fora, talvez não tão turística, mas nem por isso menos verdadeira, da nossa realidade como maranhenses.

Obs.: Notem que o artigo abaixo é uma tradução livre minha, o artigo original pode ser acessado aqui. Também aconselharia uma espiadinha aqui, onde o Ivan Lessa da BBC Brasil vai um pouco além de traduzir partes do artigo.



Um chefão da política brasileira
Onde os dinossauros ainda vagueiam

Uma vitória para o semi-feudalismo

JOSÉ SARNEY foi eleito pela primeira vez (deputado federal) há quase meio século. Nos últimos 40 anos ele controlou a fortuna do Maranhão, um estado na parte mais oriental da região amazônica. Ele representou o estado como deputado federal (duas vezes), governador e senador (duas vezes). Em 1985 ele se tornou o acidental e indistinto presidente do Brasil, quando o candidato eleito (Tancredo Neves) faleceu antes de poder exercer o cargo. Mais recentemente ele foi o senador do Amapá (duas vezes). Tempo de se aposentar, alguém pode pensar.

O Sr. Sarney parece um retrocesso à uma era de semi-feudalismo político que ainda prevalece em algumas regiões do Brasil e arrasta o resto para trás. Apesar disso, e com o tácito apoio de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente centro-esquerdista do país, o Sr. Sarney foi escolhido para presidir o senado nacional. É a terceira vez em sua carreira que ele empossa esse poderoso cargo, o qual lhe confere um certo grau de controle sobre a agenda do governo e abre oportunidades para tráfico de influência.

E assim se sustenta o domínio do Sr. Sarney sobre o Maranhão, justamente quando alguns acreditavam que ele já estava chegando ao fim. O centro de São Luís, capital do estado, é decrépito. Alguns prédios históricos são bem cuidados, tais como a iluminada igreja branca da nossa senhora do desterro. Mas a maioria está sucumbindo no calor húmido da cidade. As ruas são repletas de buracos. Um extraordinário número de pessoas passa o dia em estacionamentos públicos na esperança de conseguirem alguma esmola em troca de indicarem lugares para estacionar. Numa cidade de 1 milhão de pessoas, houve 38 assassinatos só no mês passado.

Mas é fora de São Luís onde o retrocesso do Maranhão é mais evidente. Em Sangue, uma cidade no interior do estado, muitas pessoas vivem em casas de um só cômodo, cobertas com folhas de palmeiras, sem água encanada e eletricidade. Transporte público é escasso. Não há muito para se comprar ou vender além de bacuri, uma fruta amazônica. O sistema educacional do Estado é precário. A taxa de mortalidade infantil é de 39 para cada 1000 nascimentos vivos e está 60% acima da média brasileira.

O domínio político por uma única pessoa ou família não é incomum no nordeste do Brasil. Mas isso está começando a mudar. O clã da família Sarney está se tornando atípico. A filha do Sr. Sarney, Roseana, foi governadora do Maranhão e atualmente representa o estado no senado. Seu filho foi ministro no mandato anterior do governo. Outros parentes e relativos possuem empregos nas cortes e serviços públicos do Maranhão. Um dos tenentes do Sr. Sarney, Edison Lobão, é o ministro de Lula para minas e energia. Quando ele assumiu o ministério, o cargo antigo do Sr. Lobão no senado nacional foi para o seu filho. Todos os três senadores do Maranhão respondem ao Sr. Sarney, assim como os seus companheiros senadores do Amapá.

Esse controle é facilitado pelo fato da família Sarney possuir a maior empresa de comunicação do Maranhão. A estação de televisão transmite programas da Globo, a qual produz as novelas mais populares do Brasil. Essas são intercaladas com notícias floreadas sobre a família Sarney. O controle sobre estações de rádio e televisão é particularmente importante na zona rural do Maranhão, onde a maioria dos eleitores é analfabeta e portanto onde os Sarneys conseguem a maioria dos seus votos. "Nós somos dominados por uma oligarquia eletrônica", lamenta Zé Reinaldo, o governador anterior.

Mesmo assim, o poder da família pode estar finalmente enfraquecendo. Em 2006 Roseana Sarney perdeu as eleições para o atual governador Jackson Lago, o qual está sendo, juntamente com seus deputados, investigado por crimes eleitorais. Se eles forem cassados, a Sra. Sarney vai assumir o governo mais uma vez. Nas eleições municipais do ano passado, os candidatos dos Sarneys sofreram várias derrotas. "Sarney sempre diz que o Maranhão precisa votar nele de forma que ele possa trazer dinheiro de Brasília", diz Arleth Santos Borges da Universidade Federal do Maranhão. "De fato, ele precisa de poder em Brasília para ter poder aqui". E é exatamente isso que a presidência do Senado lhe traz.

Enquanto isso o Maranhão vai seguindo o seu triste caminho. "Por quinze anos eu escuto Sarney dizer que ele vai trazer turismo e desenvolvimento para o Maranhão, mas nós continuamos a ter uma única rodovia para entrada e saída dessa cidade", diz Hélio, um garçon em São Luís. "E ambas são uma bagunça."